Olá, eu sou MAYARA CUSTÓDIO sócia e irmã do Dr. MATHEUS e a partir de hoje nós dois, juntos, vamos dar início a uma série de artigos no estilo “versus”, por meio dos quais vamos analisar vários termos jurídicos um frente ao outro, para extrairmos o que realmente cada um deles significa.
Para inaugurar nossa coluna escolhemos o seguinte embate: POSSE X DETENÇÃO, que frequentemente são utilizados como se um fosse sinônimo do outro mas que, conforme você vai ver a seguir, são na verdade institutos jurídicos muito distintos, principalmente no que se refere aos seus efeitos práticos.
Caso você seja da área jurídica é bem provável que já tenha ouvido falar sobre POSSE e DETENÇÃO em algum momento da sua vida, termos que também são muito comuns no dia a dia dos agricultores e proprietários de terras, porém, talvez nunca tenham te explicado a diferença entre essas duas expressões que, de tão utilizadas em conjunto, parecem irmãs, mas que, do ponto de vista técnico, estão mais para primas distantes.
Acontece que os conceitos de POSSE e DETENÇÃO realmente são bem simples na teoria, mas ao aplica-los na prática isto requer uma atenção minuciosa sob pena de se criar, modificar e/ou extinguir direitos. Para que você possa entender melhor vou te contar um caso prático com o qual tive contato aqui no escritório esses dias.
ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE OS CONCEITOS DE POSSE E DETENÇÃO ANALISANDO O CASE A SEGUIR
Imagine a seguinte situação: você compra uma propriedade de X alqueires no ano de 1990 e deixa um funcionário de sua confiança cuidando dessas terras (o exemplo típico do caseiro), porém por motivos distintos você rompe o contrato de trabalho com esta pessoa no ano de 2000 mas não coloca outra pessoa para supervisionar a propriedade e, a partir de então, seu antigo funcionário começa a agir como se fosse o proprietário da terra e realiza negócios jurídicos com terceiros, como contratos de arrendamento e parceria e, além disso, no ano de 2020 ele ajuíza contra você uma ação de usucapião.
É quando nos deparamos com problemas assim que percebemos o quanto é importante distinguir POSSE de DETENÇÃO! Isso porque, no exemplo acima, a simples conceituação sobre a condição do funcionário (ou seja se ele era possuidor ou detentor) é que vai definir se ele tem ou não direito à usucapião!
Segundo Ihering a DETENÇÃO é uma posse degradada, ou seja, na DETENÇÃO temos uma situação em que alguém conserva a POSSE em nome de outro seguindo suas subordinações, não tendo direito a qualquer efeito da posse.
Assim, no exemplo suscitado acima temos que o funcionário da história era mero detentor entre os anos 1990 e 2000, uma vez que, na condição de empregado, exercia uma posse em nome de seu empregador, seguindo suas determinações e, portanto, referida POSSE era degradada e consubstanciava verdadeira forma de DETENÇÃO!
Vejamos o que diz o Art. 1198 do Código Civil:
CC – Art. 1.198: Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Já a POSSE é conceituada como sendo o exercício do poder de usar, gozar, dispor e reaver um bem móvel ou imóvel. Vejamos o que diz o Art. 1196 do Código Civil:
CC – Art. 1.196: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
COMPREENDA MAIS A FUNDO A IMPORTÂNCIA PRÁTICA DA DIFERENCIAÇÃO CORRETA ENTRE POSSE E DETENÇÃO
Entendam que, no caso trazido como exemplo, o funcionário foi detentor entre os anos de 1990 e 2000, porém após este período foi cessada a sua subordinação com o proprietário por meio do rompimento do contrato de trabalho e então a partir deste momento ele continuou a exercer “posse” sobre o imóvel sem relação de dependência para com outro, passando a se tornar o possuidor da terra, haja vista que o mesmo estava utilizando de fato a propriedade, nos termos do Art. 1196 do Código Civil.
Simples assim? Na verdade nem tanto! Assim como as relações de submissão induzem à existência de DETENÇÃO temos que, nos casos em que ficar comprovado que o possuidor exercia “posse” com a permissão ou tolerância do proprietário referida “posse” também será desqualificada e, portanto, entendida como DETENÇÃO.
Desta feita, no que toca ao caso que estamos analisando como exemplo temos que, no que se refere aos anos de 1990 a 2000 não há que se falar em POSSE uma vez que se trata de nítida DETENÇÃO em razão do exercício da “posse” em nome de terceiro (empregador/proprietário do imóvel) e no que toca aos anos de 2000 em diante caberá ainda a discussão (e necessidade de produção de provas) para se esclarecer se, durante esse período, o agora ex-empregado realmente exerceu POSSE mediante o exercício do poder de USO e GOZO da propriedade nos termos do Art. 1196 do Código Civil ou se, mesmo após cessada a relação de dependência originalmente mantida com o proprietário do imóvel, o ex-empregado permaneceu no imóvel por mera permissão ou tolerância do proprietário porque, se ocorreu permissão ou tolerância, caracteriza-se novamente a DETENÇÃO nos termos do Art. 1208 do Código Civil.
Confira-se:
CC – Art. 1.208: Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade.
CONCLUSÃO
Diante das considerações levantadas sobre o case analisado acima, temos que, em direito, é de salutar importância a distinção correta dos termos empregados uma vez que os efeitos práticos decorrentes da adoção de um destes termos podem ser catastróficos, restando incontroverso que, conforme muito se ouve dizer na área jurídica, “tudo depende”! Não existe causa ganha uma vez que tudo vai depender não só da existência do direito mas da capacidade de prova-lo e dimensioná-lo (quantum).
Encerramos aqui acreditando que cumprimos com o objetivo deste artigo que era expor as diferenças técnicas entre os termos POSSE X DETENÇÃO bem como apontar algumas implicações práticas referentes a esses institutos jurídicos.
Aguarde pelo nosso próximo artigo!
Autores: Mayara Custodio e Matheus Quessada, do escritório Custódio Quessada & Oliveira Advogados com atuação exclusiva em Direito Agrário e do Agronegócio.
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