Não seria exagero dizer que todo agricultor ou até mesmo todo profissional do meio agrário se não firmou um contrato de arrendamento ou um contrato de parceria ao menos já teve contato com algum destes instrumentos ao longo de sua vida profissional, afinal, são muito provavelmente os contratos mais comuns e famosos do meio agrário.
Entretanto, apesar de serem instrumentos muito conhecidos é comum a confusão entre esses dois “primos”, o que pode implicar em consequências graves a depender da ocasião. Portanto, sem mais delongas, passemos a análise das diferenças entre referidos tipos contratuais.
– DO OBJETO DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO E PARCERIA
Inicialmente se faz necessário apontarmos, em linhas gerais, as semelhanças entre esses dois contratos agrários. Nesse ponto temos que ambos são instrumentos que garantem o uso temporário da terra, podendo esse conceito geral ser extraído do Art. 92 e de seu § 1º do Estatuto da Terra e do Art. 1º do Decreto nº 59.566/66.
Confira-se:
Estatuto Da Terra – Art. 92: A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa, nos termos desta Lei.
§ 1° O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido em parceria.
Decreto nº 59.566/66 – Art. 1º: O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.
Da leitura dos dispositivos legais copiados acima podemos concluir que, em ambos os casos, o objeto dos contratos (de arrendamento e de parceria) é o mesmo, qual seja, a cessão da posse ou do uso temporário (e somente temporário) da terra e, caso você seja um leitor com maior experiência no uso dos contratos agrários que são tema deste artigo, provavelmente saberá que devido à semelhança entre os dois é possível até a conversão do contrato de parceria em um contrato de arrendamento, conforme disciplina o Art. 50 do Decreto nº 59.566/66.
Vejamos:
Decreto nº 59.566/66 – Art. 50: O parceiro-outorgante e o parceiro-outorgado poderão a qualquer tempo, dispor livremente sobre a transformação do contrato de parceria no de arrendamento.
Ora, mas se os instrumentos são tão semelhantes a ponto de ser possível até a transformação da parceria em arrendamento, quais são as diferenças existentes?
Para responder a isso é necessário que façamos uma análise individual de cada contrato, entretanto, sem um maior aprofundamento em suas especificidades, analisando-se apenas os pontos relevantes para a diferenciação entre o arrendamento e a parceria, vez que cada um dos contratos será minuciosamente explorado brevemente em outros artigos neste blog.
O CONTRATO DE ARRENDAMENTO
O contrato de arrendamento é disciplinado pelos Arts. 95 e 95-A da Lei Federal nº 4.504 de 30 de Novembro de 1964, mais conhecida como “Estatuto da Terra” e seu conceito pode ser encontrado no Art. 3º do Decreto nº 59.566/66:
Decreto nº 59.566/66 – Art 3º: Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.
Conclui-se então que o Contrato de Arrendamento consiste na cessão temporária (ainda que não seja necessário que se determine o tempo máximo da cessão) do uso e gozo de um imóvel rural para a exploração agrária mediante uma retribuição a título de aluguel (pagamento de renda), sendo as partes deste contrato denominadas de arrendador (via de regra o proprietário do imóvel) e arrendatário (quem irá exercer a posse).
Cumpre informar também que o arrendamento gera obrigações não só para o arrendatário, mas também para o arrendador, definindo o Art. 40 do Decreto nº 59.566/66 como deveres do arrendador: I) entregar ao arrendatário o imóvel rural objeto do contrato, na data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região; II) garantir ao arrendatário o uso e gozo do imóvel arrendado, durante todo o prazo do contrato; III) fazer no imóvel, durante a vigência do contrato, as obras e reparos necessários e IV) pagar as taxas, impostos, foros e toda e qualquer contribuição que incida ou venha incidir sobre o imóvel rural arrendado, se de outro modo não houver convencionado.
A doutrina ainda traz mais duas obrigações ao arrendador, sendo elas: V) não exigir prestação do serviço gratuito e VI) indenizar as benfeitorias necessárias e úteis feitas pelo arrendatário.
Já as obrigações do arrendatário de acordo com o Art. 41 do Decreto nº 59.566/66 e com a doutrina por sua vez consistem em: I) pagar pontualmente o preço do arrendamento; II) usar o imóvel de forma convencionada ou presumida e trata-lo como se fosse seu; III) notificar o arrendador acerca de ameaça ou ato de turbação ou esbulho, bem como de obras necessárias à garantia do uso do imóvel; IV) proceder às benfeitorias necessárias e úteis, a menos que haja convenção em contrário; V) devolver o imóvel, ao final do contrato, conforme recebeu, salvo deterioração natural; VI) ajustar previamente com o arrendador a forma de pagamento pelo uso da terra em função do prazo excedente, uma vez que seja iniciada cultura cujos frutos não possam ser colhidos antes do fim do prazo do arrendamento (conforme já explicado no artigo sobre a ultimação da colheita, cujo conteúdo pode ser acessado clicando aqui); VII) restituir, em igual número, espécie e valor, animais de corte, de cria, ou trabalho que conste do contrato e cuja forma de restituição não conste do contrato e VIII) comprovar que não deu causa a deterioração ou prejuízo, caso ocorram.
Em relação ao pagamento, disciplina o mestre Antonio Zanette em sua obra “Contrato Agrário, Novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural” que: “ (…) ao pensar de modo a proteger as partes, ele deve ser ajustado em dinheiro, caso em que o pagamento pode ser realizado em produto, motivo pelo qual o arrendador não participa dos riscos do negócio”.
Exemplificando e buscando uma comparação com contratos mais comuns ao dia-a-dia e mais conhecidos do público em geral, podemos dizer que o arrendamento funciona como um contrato de aluguel, afinal, o arrendatário paga ao arrendador pelo tempo em que se mantiver na posse do imóvel, tal qual paga o locatário ao locador, e se você já é familiarizado com o Direito Civil, especialmente em relação aos contratos, já percebeu que as obrigações do contrato de arrendamento são bem semelhantes às obrigações do contrato de aluguel.
Portanto, à grosso modo, podemos dizer que o arrendamento é o contrato pelo qual o arrendador “aluga” a terra para que o arrendatário realize a exploração agrícola da mesma, ou se você preferir, podemos ficar com a definição de Silvo de Salvo Venosa: “o arrendamento rural é modalidade de locatio rei, onde o arrendador se obriga em ceder ao arrendatário por prazo determinado ou não o uso e o gozo do imóvel rural, no todo ou em parte, podendo até incluir outros bens na referida avença, para a exploração agrária”.
O CONTRATO DE PARCERIA
O Contrato de Parceria é previsto no Art. 96 do Estatuto da Terra, e tem sua definição disposta no Art. 4 º do Decreto nº 59.566/66:
Decreto nº 59.566/66 – Art 4º: Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei.
Vemos então que o Contrato de Parceria é a cessão do uso da terra mediante a partilha dos riscos e dos lucros, podendo conforme disciplina o Art. 5º do Decreto nº 59.566/66 a parceria ser: I) agrícola; II) pecuária; III) agro-industrial; IV) extrativa e V) mista.
Decreto nº 59.566/66 – Art. 5º: Dá-se a parceria:
I – agrícola, quando o objeto da cessão fôr o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nêle ser exercida a atividade de produção vegetal;
II – pecuária, quando o objetivo da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda;
III – agro-industrial, quando o objeto da sessão fôr o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, ou maquinaria e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal;
IV – extrativa, quando o objeto da cessão fôr o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;
V – mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria definidas nos incisos anteriores.
Como o próprio nome diz, o contrato é na verdade uma parceria, ou seja, tanto o parceiro outorgado como o parceiro outorgante participam dos riscos avindos do negócio, conforme ensina Antonio Zanette: “É de se notar que na parceria, seja ela agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, tanto o parceiro outorgante como o parceiro outorgado participam dos riscos – inseridos nos incisos do § 1º do Art. 96 do Estatuto da Terra – advindos do negócio; de outra banda, tem-se um pagamento mínimo anual, mediante a partilha dos frutos e produtos auferidos na produção do imóvel”.
Agora que você já se encontra minimamente introduzido ao mundo dos contratos de arrendamento e de parceria, passemos a abordar as diferenças existentes entre eles.
DAS DIFERENÇAS ENTRE O ARRENDAMENTO E A PARCERIA
A esta altura a principal diferença entre o contrato de arrendamento e o de parceria já é clara: enquanto o contrato de arrendamento é firmado mediante a uma retribuição fixa paga pelo arrendatário que fica responsável pela exploração agrícola do imóvel e exclusivamente responsável pelos riscos da atividade, no contrato de parceria não há uma fixação de preço, e sim, quotas-partes, uma vez que os riscos da atividade são para ambas as partes do contrato.
Assim pode-se dizer que o contrato de arrendamento assemelha-se a um “aluguel” ao passo que o contrato de parceria se parece mais com uma “sociedade”.
E é exatamente em relação a diferença citada acima que costumam ocorrer os maiores problemas envolvendo os dois tipos contratuais.
Confira-se o trecho de um julgado que abordou a matéria em questão:
EMENTA: Ação monitória. Contrato escrito. Cláusula que prevê o pagamento de 20 sacas de soja ou o montante financeiro correspondente por alqueire cultivado. Cultivo incontroverso em 39 alqueires. Pagamento devido de 780 sacas, contra 541 sacas já entregues. Diferença devida. Contrato que mesmo denominado de “parceria para cultivo agrícola” encerra negócio de arrendamento rural. Cuidando-se de contrato de arrendamento, com aluguel convencionado em preço fixo, os arrendantes não compartilham com a arrendatária dos riscos do negócio jurídico, tal qual ocorreria se as partes tivessem firmado parceria agrícola quando, então, os contratantes participariam do resultado do negócio. Multa contratual reduzida nos termos do artigo 413 do Código Civil. Apelo parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 00042051520068260438 SP 0004205-15.2006.8.26.0438, Relator: Ruy Coppola, Data de Julgamento: 04/04/2013, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2013)
Outra diferença fundamental entre os dois contratos é que enquanto o contrato de arrendamento fica restrito ao imóvel rural e variavelmente algumas benfeitorias que possam estar localizadas no imóvel, o contrato de parceria pode ter como objeto também a entrega de animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal. Sendo assim, é importantíssimo salientar que não há que se falar de arrendamento de animais, uma vez que por força legal o arrendamento é restrito apenas à cessão de terra.
A grande confusão neste sentido se dá pelo fato de que o arrendamento do imóvel poder ter como fim a exploração da atividade pecuária, mas vejam que, o objeto do arrendamento continua sendo o imóvel e não o rebanho.
Assim a tese que entendemos ser a mais correta é a de que no Art. 3º do Decreto nº 59.566/66 existe autorização para que, com o arrendamento do imóvel, sejam arrendados também os semoventes que lá já existiam para facilitar a exploração da atividade agropecuária, mas não há permissão para que haja o arrendamento exclusivamente dos semoventes, sendo essa permissão concedida apenas no contrato de parceria através do inciso II do Art. 5º do Decreto nº 59.566/66.
CONCLUSÃO
Entendemos que, neste artigo, foram expostas e discutidas as principais peculiaridades dos contratos agrários típicos de arrendamento e parceria e que, portanto, você leitor já deu um passo à frente e já sabe distinguir ao menos em linhas gerais as diferenças entre esses dois instrumentos. Entretanto, se quiser ficar ainda mais por dentro do assunto, fique atento às nossas futuras postagens que, muito em breve, abordarão detalhadamente as especificidades de cada um dos contratos agrários típicos e atípicos existentes.
Autores: Gabriel Dóro e Matheus Quessada, do escritório Custódio Quessada & Oliveira Advogados com atuação exclusiva em Direito Agrário e do Agronegócio.
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